domingo, 16 de junho de 2013

Recados a Mário Neto (nº 11)

Essas manifestações lhe colocaram em cheque, Mário Neto, porque você está na dúvida de qual lado ficar. E é preciso escolher um lado. Porque vão falar disso no trabalho, no bar, nas escolas, nas festas, e você precisa ter algo a dizer. Mas como proceder se nem a mídia parece ter uma opinião formada nesse caso? Pela manhã eram contra os manifestantes mascarados e à noite eram contra a polícia que feria repórteres. Em um dia os manifestantes eram os vândalos e no outro eram os policiais que destruíam as próprias viaturas. As lentes que fotografavam vidros quebrados começaram a mostrar ferimentos de bala de borracha. Mario Neto, você precisa aceitar que a imprensa já não pode mais lhe trazer o conforto e a convicção de antes. Agora a informação chega por vários outros caminhos, quase todo celular tem câmera e qualquer um pode publicar qualquer notícia e sobre qualquer ponto de vista, e a corrida pelo ibope agora acompanha o número de visualizações e curtidas de qualquer postagem ou vídeo. Você precisa entender que agora terá de chegar a conclusões usando seu próprio raciocínio. E a responsabilidade pela conclusão será somente sua. E não adianta pedir minha opinião. Afinal é você a personagem, Mário Neto. Eu sou apenas o interlocutor onisciente. É você quem precisa se preocupar com o que dizer no trabalho, na escola, no bar. É você quem se obriga a ter uma posição. Vou dizer apenas uma coisa, que duvido que vá lhe ajudar: é preciso unir muitas pessoas para que haja uma multidão ou mesmo uma tropa. Mas basta uma pessoa cruzar a linha da tensão para que a multidão se torne turba e a tropa se torne horda. E essas palavras não são exatamente sinônimos, pelo menos não quando se está fisicamente entreposto entre elas.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Meritocracia

- Meritocracia – explicava o economista ao biólogo – é a avaliação e posicionamento do indivíduo segundo seu mérito. Ao se utilizar esse critério permite-se que os mais eficientes, ou seja, os que possuem melhor desempenho e apresentam melhores resultados, conquistem posições de destaque dentro da cadeia produtiva. Maravilhoso, né? Não é por acaso que ela é a principal forma de avaliação atualmente. - Algo nesse critério me soou estranho – disse o biólogo - um pouco injusto... - Injusto, como assim? A pessoa é recompensada justamente conforme o seu merecimento. É a forma de compensação mais justa que existe. - Vejo de forma um pouco diferente. Não entendo de administração e portanto não saberia apresentar uma forma de avaliação melhor, mas o fato é que esse critério me soa primitivo e conformista... - Primitivo? Conformista? A meritocracia vai diretamente contra o conformismo, pois se o indivíduo quer crescer ele precisa sair da zona de conforto e se movimentar. - Sim, entendi isso. Mas o conformismo a que eu me refiro não é o do indivíduo, e sim o da sociedade. Parece que ao atribuir a posição social do indivíduo ao seu próprio mérito, implicitamente justifica-se a desigualdade, a miséria, etc. como responsabilidade do próprio indivíduo, ignorando fatores externos e eximindo o Estado de qualquer culpa. - Existem os fatores externos sim, mas o ponto é como o indivíduo interage com esses fatores para mudar a situação. Existem vários exemplos de pessoas que no passado viveram intensas condições de adversidade e mesmo assim deram a volta por cima e se tornaram cases de sucesso! - Sim, existem. O que me parece injusto é utilizar esses raros casos de sucesso como parâmetro, e taxar a maioria quase absoluta com o implícito título de fracassado, ou looser como dizem os norte americanos. Como se o que separasse o camelô do empresário de sucesso fosse simplesmente o mérito do próprio camelô. Mas o fato é que é para que haja empresários é necessário que haja os camelôs, pois nem o meio ambiente e nem mesmo a economia (ciência da escassez, correto?) suportaria a carga de uma humanidade composta somente por empresários bem sucedidos. - A sua área fornece um excelente exemplo sobre isso: a teoria da evolução! O melhor adaptado ao meio sobrevive. É isso o que acontece na nossa sociedade! Afinal, somos animais, correto? - Já que estamos usando exemplos da minha área, eu diria que o que acontece é mais parecido com a cadeia alimentar mesmo, pura e simples. O mais forte devora o mais fraco e ponto final. Por isso eu falei que a meritocracia me soava um tanto primitiva e conformista. Somos racionais, com poder de modificar o meio, de evoluir. Acredito que a zona de conforto da qual temos de sair é esse estado primitivo onde nos parece natural que uns tenham que morrer para que outros possam comer, que tantos tenham de sofrer para que outros possam gozar. Eu discordo quando você diz que a meritocracia funciona como a teoria da evolução. Na verdade ela me parece muito mais lamarquista, pois o desenvolvimento deriva do estímulo do indivíduo. Quando mais e melhor estimulado, mais desenvolvido. E a questão da descendência também escorre do Lamarck para a meritocracia, pois a posição social do pai seguramente influenciará na posição social do filho, mesmo que indiretamente. Pois quanto mais alta a posição, mais alto é o perfil socioeconômico, e obviamente maior o acesso à saúde, educação, informação etc. É possível admitir que tanto o filho do camelô quanto o filho do empresário de sucesso possui a mesma base para o desenvolvimento pessoal e que portanto o sucesso ou fracasso de cada um depende exclusivamente do seu próprio mérito? A transmissão de características adquiridas aos descendentes, pregada pelo Lamarck, poderia ser transportada para a ideologia da meritocracia como a renda que o filho dispõe para sua formação e que foi adquirida pelo pai ao longo de sua vida. E ao falar em renda nós voltamos para a sua área...

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Recados a Mário Neto (nº 10)

Em quem você vai votar, Mário Neto? Você está preparado? Assistiu aos debates, entrou nos sites que fazem ranking dos políticos, compartilhou postagens relevantes nas mídias sociais e viu a biografia dos candidatos? Já escolheu os que lhe pareceram melhores dentre as opções apresentadas? Conversou sobre isso com os colegas de trabalho e familiares? Você acredita que por meio do seu voto dará sua importante contribuição para a sociedade? Acredita que esse é o seu instrumento de luta, a sua voz como cidadão? Você acredita na democracia, Mário Neto? Acredita na liberdade?

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Recados a Mário Neto (nº 9)

O que lhe deixa irritado nos transportes coletivos são as pessoas que não respeitam os assentos preferenciais. Homens e mulheres que poderiam perfeitamente viajar em pé, mas que se sentam nesses lugares reservados, e muitas vezes não cedem o espaço para os passageiros que de fato têm direito, fazendo-se de distraídos ou fingindo dormir. Isso lhe irrita e você então olha feio e faz comentários em voz alta sobre a falta de educação do brasileiro. Sua posição é tão radical que você se recusa a sentar nesses assentos mesmo quando não há nenhum passageiro preferencial a bordo, para não haver margem para lhe julgarem um aproveitador. Se for o caso você viaja em pé, porque graças a Deus tem saúde. Você só se senta nos bancos sem restrição, assim pode viajar tranquilo e dormir com a consciência limpa, pois se por acaso acontecer de um velho ou aleijado viajar em pé ao seu lado, a responsabilidade não será sua.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Recados a Mário Neto (nº 8)

Você já teve aumentos e promoções na carreira, mas ainda assim não se considera um homem de sucesso. Além de ver o tempo passar, sente que ele vai te engolir, que jamais conseguirá chegar lá. Isso acontece porque você só aprendeu a olhar para frente, Mário Neto. Sempre te ensinaram que deve ser assim, que olhar para trás gera comodismo, e você não pode se acomodar. A frente sempre há desafios a vencer, metas a bater, recordes a quebrar. Mas dessa forma você vive sempre na falta. O prazer pela meta batida se torna efêmero pois você já vislumbra a nova meta adiante. A promoção o coloca em outro círculo, e nesse novo círculo sua renda já começa lhe soar escassa uma vez que há tanta gente ganhando tanto mais. O sucesso, o prazer, a felicidade são sempre empurrados para além do próximo desafio. Esse é um jeito de levar a vida Mário Neto, mas é um jeito angustiante. Da mesma forma que o é olhar para trás, onde além da falta há a sensação de perda. Procure olhar ao redor. Perceba a situação como um todo e talvez você verá que o ambiente que lhe obriga a mover-se com tanta velocidade é na verdade uma engrenagem acelerando no vácuo e se reproduzindo ao infinito. Um ritmo alucinante e sem fim, onde os valores se tornam transparentes com a dispersão. A felicidade é uma mera miragem e você é como o rato que inutilmente caminha na roda para alcançar o queijo que embora parecendo sempre perto lhe é inacessível. Esse recado que mais parece um fragmento amarrotado de Baudrillard é apenas para lhe pedir que tenha calma, que trilhe seu caminho no seu próprio tempo e aprecie a paisagem, pois o trajeto importa muito mais do que o destino.

sábado, 11 de agosto de 2012

Recados a Mário Neto (nº 7)

Mário Neto, eu entendo o porquê de você estar apreensivo com a possibilidade do facebook ficar fora do ar por 24 horas. Se isso de fato vier a acontecer, você terá de passar um dia inteiro se relacionando somente com as pessoas que convivem com você atomicamente, ou seja, somente relacionamentos limitados, frágeis e irreais. O jeito é baixar alguns aplicativos interessantes, para pode evitar ao máximo ter de olhar ao redor.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Recados a Mário Neto (nº 6)

Mário Neto, você precisa focar sua atenção e sua energia para trilhar o seu próprio caminho com alegria e felicidade. Tantas vezes você responsabiliza os outros por sua frustração, angústia, mau humor, stress etc, mas seu terapeuta está certo quando diz que você não pode obrigar as outras pessoas a pensarem como você. Um exemplo: Sua conduta na empresa onde trabalha é exemplar. Você segue todos os procedimentos à risca. E mais do que isso, você acabou se tornando um fiscal voluntário desses procedimentos. Porque sua atenção não está só nos seus afazeres e prazos, mas também e talvez até com maior intensidade nos afazeres e nos prazos das pessoas ao redor. E se há algum descumprimento ou omissão em um detalhe de qualquer norma você fica pessoalmente indignado, questiona e, quando necessário, encaminha sua observação aos superiores. De modo geral essa sua conduta pode ser entendida como comprometimento e proatividade, um perfil de liderança digno de uma promoção. Mas se eu estou usando esse exemplo, Mário Neto, é porque no seu caso a situação é diferente. E o ponto é que você odeia as normas da sua empresa. Acha que elas são injustas, abusivas, opressivas. Critica essas regras sempre que possível (e possível quer dizer quando não há nenhum supervisor por perto). Perdão pela franqueza, meu amigo, mas o que te leva à indignação quando um colega pratica alguma ação fora do script é simplesmente a inveja. Você não suporta ver alguém quebrar um protocolo porque isso escancara o fato dessa quebra ser possível, e também mostra que sua conduta é van e indicativa de fraqueza ao invés de mérito. E antevendo sua réplica já esclareço que não, Mário Neto, o que estou dizendo nada tem a ver com subversão ou anarquia. Tem a ver apenas com você! Volto ao começo desse recado (que dessa vez mais parece uma carta) e lhe digo que você precisa focar sua atenção em você, nos seus valores. Quero que você tenha uma conduta exemplar em um ambiente que esteja de acordo com o que você acredita. Nesse momento você deve estar na defensiva, dizendo que não te compreendo, mas acredito que em breve você perceberá que só quero te ver feliz. A felicidade é um exercício, e a alegria é um fluxo que brota de dentro para fora.